quinta-feira, 7 de março de 2024

O vermelho da segunda página (VI)

 


Douglas entrou no quarto com o caderno, mas Paula não abandonaria a ideia de ler o que ele tinha escrito. "O que será?", ela pensava.
No quarto ele ficou indeciso. "O que fazer com este texto que escrevi numa hora de desabafo?". Ele sentou-se na cama, mas sabia que Paula logo entraria com um caminhão de perguntas. Então ele arrancou a página do caderno porque não sabia o que fazer, se por um acaso, Paula lesse. Seria constrangedor pra ele ter que responder a várias perguntas dela. 

Dobrou a página e colocou no bolso da bermuda. Depois saiu do quarto e foi falar com ela.

- Vou sair um pouco...

Ela esperou ele sair e rapidamente entrou no quarto e pegou o caderno. Mas não havia nada escrito. O caderno estava sem a página. Isso aguçou ainda mais a curiosidade de Paula. "Ele arrancou a página... mas, por quê?".

Paula pegou a bolsa rapidamente e resolveu sair atrás dele. Andou em direção a uma praça, porque, ela pensava "Não deve ter ido longe". A moça foi andando devagar e o avistou sentado num bando da praça lendo algo. Era a folha do caderno que ele tinha arrancado. Sem vê-la, Douglas pensava na vida. Agora que o aniversário dela tinha passado, ele teria que resolver sua situação com ela, porém não tinha mais coragem de entregar o texto... o momento era outro. Ele teria que conversar. Estava tão absorvido nos seus pensamentos que nem reparou que ela se aproximava dele... quando a viu já era tarde, ela estava na fente dele:

- Queres me dizer, o que tem neste papel? 

Ele se assustou com aparição dela. Na mesma hora colocou a folha de papel no bolso, levantou-se e disse:

- Vamos pra casa. Precisamos conversar.

- E por que não podemos conversar aqui?

- Prefiro conversar lá...

Mas, ele não fazia ideia de como começar uma conversa, disse isso apenas para ganhar tempo.

Eles caminhavam juntos, mas seus pensamentos estavam distantes. Douglas esperava que no caminho para casa ocorresse algo para distraí-los. Ele queria se livrar dessa situação porque, na verdade, não queria tocar no vermelho da página que ele guardara no bolso da bermuda.

Um passarinho cantou triste numa árvore, ele olhou para cima pra ver se o via, mas o passarinho estava protegido pelas folhas. "Queria ser um pássaro", ele pensou.

Paula caminhava silenciosa ao lado dele e resolvida a ler o que estava escrito naquela folha de papel. Nem reparou no canto do pássaro.

Luzia Almeida


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

O vermelho da segunda página (V)

 

Paula chegou a casa respirando como um tigre. E o barulho que ela fez ao entrar quase acordou Douglas que dormia no sofá. Ela o observava pensativa e foi se dando conta do ambiente que a aguardava no dia anterior. A mesa continuava posta com flores e com seu presente de aniversário. Ela se aproximou da mesa e fez a leitura: "Ah, ele se lembrou do meu aniversário... então por que não me parabenizou logo?", ela pensava.

Douglas se mexeu no sofá.

A moça pegou o presente e sentou na poltrona da sala. Bem diante de Douglas que finalmente acordou e deu com ela sentada e com o presente na mão.

- Bom dia! - ela disse.

- Bom dia! - ele respondeu e sentou-se no sofá.

- Obrigada por lembrar do meu aniversário!

- Só lembrei depois que você saiu... Se tivesse lembrado antes, não teria deixado você sair e teria preparado um café da manhã especial...

- Não tem problema!

- Fiz seu prato favorito para o jantar, mas você não retornou...

- Ah, eu estava muito aborrecida!...

Douglas não disse nada. Ela continuou:

- Mas agradeço o presente. O que é?

- Abra!

Então ela abriu o presente e se encantou com o relógio de pendurar com formato de coruja.

- Lindo! - ela sorriu agradecida.

Douglas sorriu também. Mas sentia-se como um ator. Sua representação era fraca e seu comportamento era quase hipócrita. Só retornou a casa porque lembrou-se de que era aniversário dela. Mas, esse dia já havia passado, foi ontem, e agora ele a tinha diante de si e não sabia o que fazer.

Paula viu o caderno do lado dele e perguntou:

- Escreveste um poema?

- Não!... Escrevi outra coisa...

- O quê?

- Nada importante... 

- Deixa eu ver?

Ele levantou-se do sofá com o caderno na mão. Não sabia o que fazer com o vermelho da segunda página que ele ainda não tinha dado um fim e não sabia mais se ainda era vermelho ou se havia se tornado azul.

Paula insistiu com ele.

- Por favor, deixa eu ler.

E ele respondeu:

- A vida da gente é muito engraçada... num instante estamos aqui e noutro instante não estamos. Um instante estamos com uma pessoa e a queremos bem, outro instante somos ludibriados por circunstâncias que nos convocam a tomar decisões...

Paula olhava pra ele sem entender direito:

- Não estou entendendo!

- Eu sei. Mas, não se preocupe, ainda esta semana você entenderá.

Paula ficou olhando pra ele e o seguiu com o olhos esperando que ele largasse o caderno em qualquer lugar e então poderia descobrir o enigma "desse instante". Mas ele não largou, pelo contrário, dirigiu-se para o quarto, entrou e fechou a porta.

Luzia Almeida.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

O vermelho da segunda página (IV)

 

A notícia que era dia 19 trouxe um problema para Douglas. Era o aniversário de Paula e ele tinha saído de casa. Não era justo porque, mês passado, ela tinha feito festa pra ele. "E agora?", ele pensou num mistura de tristeza e solidão. 

Tia Lourdes o observava e perguntou:

- Aconteceu alguma coisa?

Ele olhou pra ela num desalento que fazia pena:

- Hoje é o aniversário dela. E... saí de casa... e nem lavei as louças.

A tia ficou com vontade rir, mas se segurou. Ela o olhava pensativa. Perguntou:

- Ela viu você sair com as malas?

- Não! Ela saiu primeiro. Disse que iria pra casa da irmã.

- Então!... Nem tudo está perdido... 

- Como assim?

- Ora, Douglas. Você acabou de chegar... volte pra casa e deixe esse rompimento pra outro dia...

- Mas, tia!...

- Hoje é o aniversário dela... Você tem que retribuir. Ora, você nem se lemvrava...

Douglas baixou a cabeça desalentado. Mas, perguntou:

- E se eu voltar e me encontrar com ela?...

- É um risco que você tem que correr...

Ele concordou:

- Está bem!

- E compre um presente!...

- Tudo bem! Tudo bem!...

Ele pegou o celular e chamou um carro pelo aplicativo. A tia o acompanhou até a porta. Só Luke não estava entendendo o que estava acontecendo. Ficou miando para chamar a atenção, mas ninguém deu confiança pra ele.

Ao chegar a casa, ele guardou as roupas e os livros rapidamente. Trocou de roupa e foi para a cozinha lavar as louças. Pensou: "Quando acabar daqui vou sair pra comprar o presente.

A pia estava brilhando. Ele passou uma vassoura na cazinha, juntou o lixo e levou para fora. Depois tomou um banho e saiu para comprar o presente dela.

Na loja, se agradou dos relógios que estavam pendurados. Paula adorava relógios e havia uns com formato de coruja. "Ela vai gostar", ele tinha certeza. Ela gostava de relógios e de corujas.

Douglas, antes de retornar para casa, passou na feira e comprou camarão e creme de leite. Iria fazer o prato favorito dela. Também comprou flores e uma garrafa de vinho. "Pra quê tudo isso?". Ele não estava entendendo direito o próprio comportamento. Será que seria só uma retribuição de aniversário ou ele estava feliz por voltar a casa? Ele não sabia.

Voltou.

Fez almoço e deixou o camarão descascado para fazer a receita de que ela tanto gostava.  

Almoçou sozinho... sempre olhando para o celular pra ver se ela tinha mandado mensagem, mas Paula não mandava nada.

À noite, ele fez o jantar. Arrumou a mesa com as flores e colocou o presente em destaque na mesa. Só então se lembrou do que tinha escrito no caderno novo. Pegou o caderno na sala e leu novamente, mas agora, muito do que tinha escrito, perdeu o sentido... porque, na verdade, ele tinha exagerado e era uma coisa que eles já tinham conversado. Ela tinha falado: "Você redimensiona os problemas, Douglas... E eu nasci pra resolver problemas". Era verdade. Ele tinha a tendência de fazer uma tempestade num copo d'água. 

Douglas sentou-se no sofá da sala e a esperou por toda a noite. Mas Paula não voltou.

Luzia Almeida


terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Madeira sem lei


           Três caminhões já haviam passado por isso havia muita poeira na estrada. Sentado no batente da porta com o pai, Antônio observava a tristeza dele. Havia silêncio naquele final de tarde, poeira e tristeza paterna.

Quando passou o quarto caminhão, o pai suspirou profundamente e Antônio perguntou:

- O que foi pai? Por quê o senhor está suspirando como se alguém tivesse morrido.

O pai olhou para o menino e disse:

- Digamos que cada árvore desta mata é uma pessoa. E cada tronco que passa no caminhão é nosso parente. Só hoje já perdemos quatro caminhões cheios...

Antônio disse:

- Então, pai, faça alguma coisa!...

O pai olhou tristemente para o filho e se lamentou:

- Fazer o quê, meu filho? Não me ensinaram a fazer nada... nem ler eu sei.

Antônio pensou "Eu já sei ler, mas ainda sou muito pequeno...".

Com o barulho do próximo caminhão que se aproximava, o pai disse:

- Vamos entrar, chega de tristeza por hoje.

Eles entraram e o caminhão passou deixando muita poeira no caminho.

Dentro de casa, o pai bebeu água, depois foi para o quintal porque estava fazendo muito calor e ele mesmo não aguentava o calor dos olhos de Antônio.

O quintal era mais que refúgio. O quintal era tudo o que o pai do menino tinha. E solidão. 

sábado, 27 de janeiro de 2024

O vermelho da segunda página (III)

 

                  As três malas estavam prontas. Douglas chamou um carro pelo aplicativo e seguiu para a casa da tia Lourdes. Ele havia mandado mensagens, mas ela não respondeu, não acreditou que era uma briga de verdade. Achou que se entenderiam. Então ela foi ao supermercado.

          Quando Douglas chegou, percebeu que a casa tinha sido pintada recentemente. Estava pintada de branco com porta e janela azuis. A porta estava fechada, mas o gato da tia Lourdes estava na janela como se fosse o anfitrião. Ao ver Luke, Douglas sorriu satisfeito:

          — Olá, amigão! —  E fez um carinho na cabeça do gato que se espreguiçou como a pedir mais carinho.

          Ele tocou a campainha e esperou. O gato desceu da janela e ficou roçando as pernas da calça do rapaz. Ele iria tocar a campainha de novo quando avistou a tia dobrando a esquina com uma sacola de supermercado. Ele sorriu ao vê-la e esperou:

          Ela disse feliz:

          — Olá, meu querido!...

          — Tudo bem com a senhora?

     — Olha, o Luke anda muito travesso e, às vezes, o reumatismo se lembra de mim. Tirando isso, está tudo bem...

          Ele sorriu.

          Tia Lourdes abriu a porta e entrou. Douglas entrou em seguida com as malas que ficaram encostadas próximo da porta. Sentaram-se na sala:

          — Tia...

          — Tudo bem, tudo bem... você não precisa me explicar nada. Eu pensei que era uma briga de momento e que vocês fariam as pazes...

          — Pois é...

          — Então, sinta-se em casa. Você é meu sobrinho. Sinto-me feliz com sua companhia... fique aqui o tempo que quiser...

          — Obrigado!... Mas, vou procurar uma casa ou um apartamento pra alugar...

          — Tudo bem! Tudo bem! Não tenha pressa... vou colocar a ração pro Luke e já volto pra arrumar seu quarto.

          Ela levantou-se, pegou a sacola que tinha ficado em cima do sofá e seguiu para a cozinha:

          — Luke!

          O gato seguiu manhoso obedecendo à voz da dona.

          Douglas ficou sentado e vendo a amizade dos dois. E, de repente, sentiu-se entranho na casa da tia. O que ele estava fazendo ali? Na casa da tia? Já com quase 30 anos?

          A tia voltou e sentou-se. Disse com carinho:

          — Às vezes não vemos solução para o problema porque estamos dentro dele...

          — É verdade...

          — Tens certeza de que não há nada a fazer?

          Douglas ficou calado. Depois disse:

          — Somos muito diferentes...

      — Eu era muito diferente do meu marido, quero dizer, totalmente diferente e vivemos felizes durante quarenta.

          Douglas sorriu. Levantou-se da cadeira e olhou pela janela.

          — Gosto daqui. É tranquila esta rua... e a senhora mandou pintar a casa...

          — Sim, já tinha pintado de todas as cores...

          — Só faltava pintar de branco!...

          — Sim. Só faltava pintar de branco.

          — Mas, vamos comer alguma coisa.

          Ele foi com ela pra cozinha, mas não sentou pra lanchar. Foi direto para o quintal e viu a mangueira. “Que beleza!”, pensou.

          — Venha tomar um suco!

          Ele olhou pra ela com carinho. Entrou na cozinha e viu a hora no relógio da parede. Eram onze horas. Ele sentou-se e de onde estava viu uma foto de aniversário dele com a tia.

        — A senhora gosta muito daquela foto... — e apontou em direção à estante na sala.

          — Ah, sim! Gosto muito. Mês passado eu lembrei do seu aniversário.

          Ele ficou parado e pensando com aquelas palavras na mente: mês passado, mês passado, mês passado... e perguntou:

          — Tia, hoje é sábado dia 26?

          — 27! — ela exclamou.

          Ele baixou a cabeça numa tristeza que fazia pena.

          A tia perguntou:

          — O que foi, Douglas?

          Ele levantou a cabeça e disse:

          — Hoje é o aniversário da Paula. — E suspirou profundamente.

Luzia Almeida

O vermelho da segunda página

(Partes 1 e 2) em jornal IMAGEM DA ILHA:

www.imagemdailha.com.br 

         

 

 

     

         

 




quarta-feira, 23 de março de 2022

Quietude

 O que me sugere a tua beleza?

O que me sugere?

Se na água permaneço

movimento controlado pelo vento.

Manhã de ouro

noite de prata

E este vento-pérola

é puro anúncio.

Tua quietude tudo muda:

mar de estrelas

num copo d'água.

Divisor de areias nos meus olhos

de tantos azuis.

O que me sugere a tua beleza?

Além de contas na praia?

Contas quebradiças

sob meus pés cansados.

Quietude de vento.

Beleza de mar.

Eu quisera ser feliz

E grande!...

Como estes barcos calados.

Cores de tantas vitórias

Que nunca serão contadas

pelos ventos

e, ainda assim, fazem festa nos meus ouvidos.

Tua quietude planejada

é mais que paisagem.

Fim de tarde.

Lua prateada.

Tua quietude pra mim

é água...

E morro de sede...

              Luzia Almeida